Sérgio Lima/Folha
Além de criar um conselho de notáveis acima do TCU, o governo deseja impor uma limitação adicional ao Tribunal de Contas da União.
Projeto de lei elaborado a pedido do ministro Paulo Bernardo (Planejamento) cria o conceito do “controle a posteriori”.
A fiscalização “prévia” ou “concomitante” à realização de obras públicas passariam a ser “exceções” à regra.
Se a novidade já estivesse em vigor, o TCU estaria impedido de tomar a decisão que o converteu em alvo de Lula.
Em relatório enviado ao Congresso no mês passado, o tribunal recomendara a paralisação de 41 obras sob suspeição, 13 delas incluídas no PAC.
O projeto que prevê a fiscalização de obras prontas ficou pronto há três meses. Mas só há dois dias o governo tornou-o público. Pode ser lido aqui.
A peça foi elaborada por uma comissão de “juristas”. Propõe “uma nova estrutura orgânica para o funcionamento da Administração Pública Federal”.
O pedaço do anteprojeto de lei que trata do “controle” dos gastos públicos consta da seção 3 (página 32 do documento).
Fixa sete preceitos fundamentais. Todos destinados a flexibilizar os rigores dos órgãos de fiscalização.
As “regras gerais” constam do artigo de número 50. São as seguintes:
1. Supressão de controles meramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco;
2. Controle a posteriori, constituindo exceção o controle prévio ou concomitante;
3. Predomínio da verificação de resultados;
4. Simplificação dos procedimentos;
5. Eliminação de sobreposição de competências e de instrumentos de controle;
6. Dever, para os órgãos ou entes de controle, de verificação da existência de alternativas compatíveis com as finalidades de interesse público dos atos ou procedimentos que sejam por eles impugnados;
7. Responsabilização pessoal do agente que atuar com incúria, negligência ou improbidade.
Na seguência, um “parágrafo único” de texto capcioso: “Os órgãos e entes de controle não podem substituir‐se aos agentes, órgãos ou entes controlados, no exercício de suas competências, inclusive quanto à definição de políticas públicas”.
Significa dizer que as “recomendações” que o TCU costuma endereçar ao Executivo em seus acórdãos passaram a ser vistas como interferência ilegal.
No artigo 62, o anteprojeto sai do geral para o particular. Nesse artigo, há menção textual ao TCU, órgão auxiliar do Poder Legislativo.
Nesse trecho, o projeto reforça: o controle do TCU “não pode implicar interferência na gestão dos órgãos ou entidades a ele submetidos, nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas”.
No artigo seguinte, número 63, nova limitação: “O controle externo não implica a exigência ou o processamento de exames prévios, como condição de validade ou eficácia de atos da administração”.
Em português claro: além de fiscalizar obras prontas, o TCU estaria impedido de mandar suspender licitações e bloquear pagamentos de projetos sob suspeição.
Além do “controle externo” atribuído ao TCU, o projeto menciona outras duas instâncias de fiscalização: O "autocontrole", a ser exercido pelos próprios órgãos públicos e estatais, e o “controle social”, atribuído à sociedade civil.
O artigo 67 cuida de esmiuçar os “meios de controle social”. O pulo do gato está no item 5: “Participação em órgãos colegiados, na forma da lei”. É a janela para a criação do conselho de notáveis de que falou Lula. Um órgão composto por gente “tecnicamente inatacável".
A oposição promete erguer barricadas no Congresso para tentar evitar a aprovação do projeto. Em meio à atmosfera envenenada, Lula recebe nesta quarta (11) o presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar.
Deve-se o encontro a uma intermediação feita pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), que também deve participar da reunião.
De resto, reúne-se nesta quinta (12) o grupo de trabalho constituído por Lula para destrinchar as regras anti-TCU. Funciona no âmbito do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social), um apêndice do Planalto.
Responde pela coordenação do grupo o presidente da Abdib (Associação Brasileira das Indústrias de Base), Paulo Godoy. Vem a ser um ácido crítico das ações do TCU.