A seguir, publicamos a entrevista do professor da Unicamp, Bruno Speck, no Estado de São Paulo deste domingo (01.11.09) sobre a proposta de criação do Conselho Nacional para os Tribunais de Contas no país.
''O presidente reclama porque o controle é eficiente''
Para Speck, bloqueio de verbas para projetos que apresentam irregularidade é uma das formas mais eficientes de fiscalização
Ricardo Brandt e Roberto Almeida
Entrevista
Bruno Speck: professor da Unicamp
Quem é:
Bruno Speck
Autor do livro Inovação e
Rotina do Tribunal de Contas da União
Pós-doutor pela
Universidade Livre de Berlim
Professor da pós-graduação em Ciências Políticas e Ciências Sociais da Unicamp
Ministros e conselheiros dos tribunais de contas da União, dos Estados e municípios deveriam ser escolhidos entre os quadros de auditores e promotores dessas instituições. A defesa é do cientista político Bruno Speck, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que estudou a origem dos órgãos de controle externo pelo mundo e escreveu um livro que destrinchou o funcionamento do TCU. Para ele, os tribunais de contas no Brasil "se caracterizam pelo seu amplo poder de investigar e aplicar sanções e a sua pouca eficácia na implementação dessas sanções".
Como o sr. avalia a proposta de criação de um conselho nacional para os tribunais de contas no País?
Avalio como positiva a iniciativa. Apesar do aperfeiçoamento institucional e da qualificação técnica dos quadros dos órgãos de controle externo no Brasil, os tribunais de contas frequentemente estão na mídia por causa de supostos desvios de conduta de alguns dos seus integrantes. A grande independência desses órgãos em relação aos outros Poderes e principalmente a vitaliciedade dos cargos dos conselheiros e ministros que integram o colegiado demandam uma responsabilidade reforçada. Um conselho nacional dos tribunais de contas poderá cumprir essa função.
A proposta estava desde 2007 na Câmara e vai agora ser levada a plenário exatamente no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem criticado a atuação do TCU. O sr. acha que pode ser uma tentativa de criar amarras para a atuação dos tribunais?
Não vejo essa proposta como ameaça para os tribunais de contas. Vejo mais como uma iniciativa para seu fortalecimento institucional.
Como o sr. interpreta as críticas feitas pelo presidente Lula ao TCU. Há fundamento no que o governo afirma?
O bloqueio de verbas para projetos que apresentam irregularidades é uma das formas mais eficientes de fiscalização, muito mais eficiente do que a responsabilização ex-post dos agentes públicos responsáveis pelas irregularidades, que frequentemente leva anos, senão décadas para se completar. O presidente reclama porque o controle é eficiente.
Qual é a crítica possível a se fazer à atuação dos tribunais no Brasil?
Hoje o colegiado dos tribunais de contas no Brasil é escolhido em grande parte, dois terços, pelo Congresso, e o restante pelo presidente da República. Ambas são instâncias políticas, sujeitas e influenciadas pelo jogo dos interesses partidários. Uma forma de fortalecer a capacidade técnica do colegiado sem tirar essa prerrogativa da indicação pelos Poderes eleitos pelo povo seria estabelecer critérios mais rígidos para a elegibilidade para o cargo de conselheiro ou ministro. Atualmente esses critérios são bastante formais e vagos, permitindo a indicação de candidatos que não têm experiência na área de controle. Isso não quer dizer que não sejam excelentes políticos, administradores ou qualificados em outras áreas. A Constituição prevê que somente dois dos integrantes do colegiado devem ser escolhidos entre os auditores e promotores dos tribunais de contas. Essa regra deveria ser ampliada para todos os integrantes.
Como aperfeiçoar a atuação dos tribunais e qual a importância deles para o sistema?
Muito mais do que especular sobre reformas radicais do sistema de controle externo no Brasil é necessário aperfeiçoar o sistema de controle existente. As três linhas mais importantes nesse aperfeiçoamento são: melhorar a independência e legitimidade do colegiado, mediante critérios mais rigorosos de elegibilidade, e uma responsabilização mais clara em caso de desvio de conduta. Em alguns tribunais de contas nem existe ainda a carreira dos auditores concursados e do Ministério Público do Tribunal de Contas, previsto na Constituição.
A segunda linha é o aperfeiçoamento técnico e a ampliação dos quadros de auditores dos tribunais de contas, para ganhar mais celeridade e eficiência na fiscalização. Frequentemente os processos de auditoria levam anos até serem concluídos e a eficácia do controle é praticamente nula. Seria importante que os tribunais de contas estaduais e municipais adotassem as mesmas modalidades do controle concomitante, que o TCU está aditando nas obras do PAC. Aqueles procedimentos criticados pelo presidente Lula.
A terceira linha é o aperfeiçoamento da integração das atividades de controle entre os diferentes órgãos envolvidos. Os resultados das auditorias dos tribunais de contas dependem de outras instâncias, como do Legislativo, que deve debater as auditorias nas comissões temáticas, da Advocacia-Geral da União, que deve cobrar as multas e débitos imputados, e do Ministério Público e dos Tribunais de Justiça que devem julgar os recursos contra as decisões dos tribunais de contas.
Os tribunais de contas no Brasil diferem dos demais órgãos de controle externo de outros países?
Os tribunais de contas no Brasil se caracterizam pelo seu amplo poder de investigar e aplicar sanções, e a sua pouca eficácia na implementação dessas sanções. A contradição que custa caro ao modelo brasileiro é que ele segue o ritual de um órgão da Justiça, com principio do contraditório, da ampla defesa, regras processuais, sem que isso resulte em mais validade do processo. Os achados dos tribunais de contas podem ser questionados na Justiça.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
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Já que o grande "estadista" tem criticada a falta de indepedência do TCU, haja vista sua composição política. E é sabido que no Congresso ele manda e desmanda. É chegado a hora de transformar a Corte de contas num Órgão técnico de verdade, basta aprovar a emenda 49/2009 e mudar a forma de ingresso dos membros da Corte. Certamente, não haveria como se falar mas em ingerência não é mesmo. Mas será que alguém quer mesmo um TCU independente?!
ResponderExcluirA PEC é 42/2009, existem outras também na mesma linha. Passados mais de 20 anos da constituinte de 88, quase tudo foi reformado. Imagino que chegou o momento de mexer na estrutura dos Tribunais de Contas.
ResponderExcluirO próprio entrevistado, pós-doutor e professor Speck, defende a mudança na forma de escolha dos ministros, quando diz "A Constituição prevê que somente dois dos integrantes do colegiado devem ser escolhidos entre os auditores e promotores dos tribunais de contas. Essa regra deveria ser ampliada para todos os integrantes".
ResponderExcluirQuanto à PEC 42/2009 penso que, quando ela prevê a escolha de parte dos ministros do TCU dentre conselheiros dos TCE's e TCM's, dificulta ou inviabiliza um sistema simétrico para escolha dos conselheiros dessas últimas cortes de contas. Mais adequado seria prever a escolha dentro das três categorias de nível superior concursadas da própria corte: auditores servidores, auditores membros e procuradores membros do respectivo MP.