terça-feira, 24 de novembro de 2009

Opinião - O tribunal do prejuízo

Opinião - O tribunal do prejuízo :: (Publicado no Correio Braziliense - data 23/11/2009)

Nagib Charone Filho
Engenheiro civil, professor da U F P a (nagibcharone@yahoo.com.br)
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Interpretando as palavras do presidente da República, o Tribunal de Contas da União virou o tribunal do prejuízo. Aliás, nem há necessidade de interpretar porque, recentemente, ele o disse com palavras diretas, para todo o país ouvir, para toda a imprensa publicar, se o quisesse. Acusado de ter se tornado um tribunal político, composto em sua maioria por ministros que tiveram militância em partidos da oposição ao partido do Executivo atual, o TCU ficou com as vísceras expostas para muitos ataques, haja vista a quantidade de obras paralisadas por suspeitas de superfaturamento, vícios de licitação e outras ilicitudes listadas nos processos do tribunal, em razão de fiscalizações. Somando um total maior que 40 obras paralisadas, muitas delas de interesse do governo federal que as lançou com o intuito de minimizar os efeitos da crise do capitalismo, o tribunal jacta-se de ter barrado mais de R$ 8 bilhões de prejuízos ao erário, quantia correspondente ao valor integral dessas obras. Mas aí, além do presidente da República e para não envolver o leitor, eu me pergunto: será? Esse lucro que o presidente do TCU afirma como justificativa para as ações espetaculosas pode ter acontecido na paralisação de obras como a melhoria da rodovia Rio-São Paulo e na reforma do aeroporto de Guarulhos, porque na paralisação do aeroporto de Macapá só quem teve prejuízo foi a população. Também a paralisação da BR 163, de Santarém para Cuiabá, só quem teve prejuízo foi a população de Santarém, que continua sem comunicação com o Sul do país e o Estado do Pará, que deixou de arrecadar muitos impostos e perdeu até agora a possibilidade de desenvolver o Oeste do estado que se encontra isolado e dependente do Rio Amazonas. No caso do aeroporto de Macapá, a obra está paralisada desde 2007 como resíduo de uma disputa pelo poder do Maranhão, mostrando desde lá o esqueleto simplório de uma obra de cidade pobre, obra “gitinha”, como se diz no interior, comparada com a reforma de Guarulhos, Vitória e Santos Dumont. Enquanto isso, a população continua pagando para usar o que o Infraero chama de Aeroporto de Macapá, cujo espaço recebe a carga e descarga diária de oito vôos de Boeing e Airbus, e se comprime em um espaço que parece uma prisão de delegacia, dessas onde até o oxigênio falta para respirar. Se fosse possível somar o faturamento de taxas de embarque e outras tantas que a população paga nesse caso, daria para fazer outro aeroporto igual aquela pocilga. O processo de liberação da obra ou uma nova licitação, nos casos do TCU, transformam-se em processos kafiquianos e. neles, não se sabe a quem clamar, com quem argumentar ou tentar provar algum argumento ou conceito usado erradamente por um dos técnicos do tribunal ou por um dos ministros infalíveis. Conheço casos de discussão sobre o preço de aterro colocado em obra de cidade acima de Santarém cujo valor é menor que meio por cento da obra, mas o processo já está com mais de mil páginas e, assim mesmo, não há esperança para o término, deixando a cidade inadimplente. O que causa a maioria das celeumas para avaliação das obras é o critério técnico usado nos custos unitários de serviços, cuja base chamada Sinapi é executada pelo IBGE e que não aceita qualquer possibilidade de discussão. É essa base de dados que o tribunal adota como única verdade. Desse modo, os preços das obras de qualquer cidade, não interessa onde estejam localizadas, serão comparados com os preços médios da região das capitais. Ora, para um estado como São Paulo, servido por malha rodoviária abundante e pequenas distâncias, é possível que o critério chegue perto da verdade. Porém, no Pará, estado com dimensões continentais, esse critério é um erro gritante. É desse critério que resulta os indícios de superfaturamento. O resultado final desses processos deveria ser informado mais claramente à população, colocando o pingo nos is, dizendo sempre qual o tempo de espera para ter a obra pronta. O que o cidadão vê é tão-somente a ação espetacular, a notícia alvissareira da defesa do dinheiro público. Porém, a população local não sabe as particularidades da condenação, não conhece o prejuízo que terá com a não execução da obra que a beneficiaria.
Como retaliação, os outros poderes resolveram vasculhar as entranhas abertas do tribunal, solicitando averiguação nos seus gastos, com o intuito de constatar se ele mesmo cuida do dinheiro público como se propõe para a população, vigiando obras. Parece que o Congresso quer ver se os gastos dos ministros estão de acordo com os preços que o tribunal usa para comparar o preço das obras lá em Uruará, por exemplo. Será que o TCU usa o ditado ”faz o que eu mando, mas não faz o que eu faço”? Se isso acontecer, vai ser engraçado.

Um comentário:

  1. A opinião, vinda de um acadêmico especializado, engenheiro professor universitário, mostra-se bem superficial e maniqueísta e sem qualquer rigor de análise nem proposta.
    Pinçaram-se fato isolados e sem contexto para criticar a fiscalização. Foram abstraídas as condições criteriosas de análise do Tribunal: verificação de custos considerando suas composições específicas, exame das justificativas oferecidas, cotejo com outras fontes referenciais de preços, verificação de outras irregularidades na concepção e execução da obra etc.
    Foram abstraídas também as condições complexas do empreendimento e da sua fiscalização (comparativamente até a empreendimentos de maior porte): histórico de abandono da obra precedente às obras atuais, existência de vários processos e representações demandando ação do TCU, irregularidades graves relativas a pagamentos, projeto etc além dos sobrepreços. Até na crítica sobre a desinformação do cidadão quanto à paralisação do empreendimento houve abstração: omitiram-se a função e responsabilidade informadora da imprensa e, ainda, a faculdade desta e dos cidadãos de se informarem diretamente no Tribunal, pelo seu sítio eletrônico e suas instâncias de relacionamento com o público externo (Ouvidoria, Ascom etc).
    Por fim, o artigo mostra-se falho e omisso quando parece concordar com a fiscalização motivada pela retaliação (como se o controle não devesse ser um direito social e um dever público, mas uma reação de quem for controlado) e quando nada acrescenta para aperfeiçoar o controle ou o empreendimento controlado.

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